08/08/2014

"Até ao Fim do Mundo"

Hoje passei grande parte do dia a tentar organizar pastas, pastinhas, ficheiros, documentos e por aí fora, enfim, tudo o que tenho "enfiado" no computador. Cheguei à conclusão de que sofro de dependência de imagens, tal é a quantidade e diversidade que tenho guardadas. Então lembrei-me de um filme que vi há tempos atrás, o qual me proporcionou uma experiência estética. Na tentativa de perceber o porquê, fiz alguma pesquisa sobre o assunto. Partilho aqui uma pequena parte do texto que escrevi. 


"A imaginação conduz-nos muitas vezes a mundos que nunca fomos, mas sem ela não iremos a lugar nenhum."
Carl Sagan

Tenho em mim todos os sonhos do mundo."
Fernando Pessoa

Até ao Fim do Mundo é uma obra visionária que antecipa a realidade do século XXI. Uma realidade de sucessivas e intermináveis ilusões que parecem implorar por um retorno ao passado. Como muitos filmes dirigidos por Wim Wenders, Until the End of the World (1991) enfoca conceitos como os do amor, do desejo, da materialidade, da visão, do movimento... E revela uma inquietação narrativa sobre os elementos visuais, ao ponto de sugerir que apenas as histórias, pela leitura – logo pela imaginação – podem curar a dependência de imagens que devasta a cultura pós-moderna.
Mas porquê esta doença, esta necessidade, esta constante procura das imagens? Talvez o homem, pressionado por uma busca eufórica da perfeição, se tenha perdido chegando a um estado de confusão tal que as questões do belo, do feio, do bom, do mau, do gosto e da arte se esvaziam nos seus próprios conceitos. Porém, parece ser este o rumo natural da história do homem.
Desde os primórdios da humanidade que a imagem serve como meio vital para todas as atividades antrópicas. Antes da fala ou da escrita, a imagem surgiu como meio de comunicação e como mais uma forma de evidenciar a presença de algo ou alguém, sendo como magistral evidência disso as pinturas rupestres de há milhares de anos atrás.
O ser humano precisa de imagens para tudo na vida, precisa de “ver para crer”. Não obstante, há aquele eterno paradigma daquilo que é o real e daquilo que consta nos sonhos ou desejos. O belo, o agradável, aquilo que tenta chegar à utópica perfeição, é um dos objetivos da humanidade no que à imagem artística diz respeito. O que o homem sonha no seu estádio pleno de procura pela satisfação pessoal, naturalmente concerne às imagens que guiam a sua vida. Ora, o facto de “guiarem a sua vida” não é apenas uma tentativa de demonstrar a importância das imagens, é uma verdade pura que pode ser evidenciada na própria anatomia humana. Repare-se que todos os órgãos sensoriais principais encontram-se precisamente no mesmo local (na cabeça), rodeando os olhos, os mais importantes órgãos no que à interpretação de imagens diz respeito. A boca está abaixo dos olhos, pois o homem quer ver o que vai comer; o nariz situa-se entre a boca e os olhos, pois quer sentir os odores e ver de onde é a sua origem; os ouvidos localizam-se lado a lado com os olhos direito e esquerdo, pois quer analisar aquilo que ouve; e o mesmo acontece com as mãos e braços que são preênseis e surpreendentemente flexíveis para poder manusear e trabalhar objetos e imagens, mesmo ao nível dos seus olhos.
Todos os órgãos são deveras importantes neste processo, embora os olhos tenham um cargo superior. É que as imagens não têm somente de ser vistas, devem ser sentidas, localizadas e contextualizadas no meio envolvente para que, desse modo, o homem possa agir consoante as situações que lhe são diariamente impostas.
Regressando a Até ao Fim do Mundo, é de salientar a forma clara mas subtil como Wim Wenders trata estas e outras realidades num drama ficcional. Para o cineasta alemão, “o cinema é o único lugar privilegiado, no qual se pode narrar através de imagens“. Desenvolvido ao longo de quase uma década, o filme foi rodado em quinze cidades, sete países e quatro continentes. No elenco estão atores como William Hurt, Sam Neill, Max Von Sydow e Jeanne Moreau. Poder-se-á dizer que esta obra constitui uma verdadeira experiência estética para o observador. Por vários motivos. Mas antes de explicar porquê, mais pertinente será abordar, ainda que muito sucintamente, o tema da estética.
Em qualquer dicionário “estética” aparece como “filosofia da arte e do belo; ciência cujo objeto é o juízo de valores referente à distinção entre o belo e o feio; harmonia de formas e cores; beleza física. Visto desta forma, parece um pouco vago, uma vez que “juízo de valores” pode ser, desde logo, suscetível de múltiplas considerações. No entanto, na análise etimológica do termo, surge a palavra grega aisthetiké ou aisthésis que significa sensitivo, sensação, percepção. Ora, poder-se-á concluir que a estética coloca, em primeiro lugar, o homem como ser sensível às questões da arte, do belo, do gosto.
O termo diz respeito à filosofia, pois os pensadores refletiram sobre a beleza e a arte durante milhares de anos. Porém, este tema da estética só se tornou numa disciplina filosófica autónoma com Alexander Baumgarten e Immanuel Kant no século XVIII.
Retomando a obra de Wim Wenders Até ao Fim do Mundo, talvez seja interessante tentar compreender o porquê de ser considerada, por muitos, uma experiência estética. Para mim foi e, portanto, deixo aqui o desafio para (re)verem o filme. Talvez percebam a razão pela qual há coisas que não de explicam, sentem-se.
Com Até ao Fim do Mundo, Wim  Wenders foi acusado de incorporar aquilo que mais criticara na juventude: orçamentos e atores caros em filmes vazios. Tudo é discutível, dos valores monetários aos valores éticos e morais, considerando a multiculturalidade atual, sem nunca se conseguir chegar à unanimidade do certo ou do errado. Mas ter sido rotulado, durante algum tempo, de filme vazio, parece ser consequência desta tal confusão que não deixa ao homem parar para tomar consciência de cada experiência estética que vive, provavelmente, todos os dias.


   










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